Acho que nada do que vi ou vivi em toda a minha vida chegara perto de me preparar para o maior de todos os testes: não me apaixonar por você. Nisso, devo dizer, falhei miseravelmente. Antes de qualquer coisa devo dizer que não é porque estou narrando esta história que estamos “muito bem, obrigado”, na verdade, minha situação agora não é das melhores...
Nunca fui um amante das pessoas em geral. Sabe quando você usa fones de ouvido para evitar qualquer conversa com alguém? Pois é... – Tudo isso por quê? – você deve estar se perguntando. E aí é que está; eu não tenho a menor ideia... E poderia ter sido assim por muito tempo se eu não tivesse encontrado a pessoa que tentaria me matar e consequentemente encontrado você.
Aconteceu numa tarde até então comum, eu andava calmamente pelas ruas com meus habituais fones de ouvido. O calor insuportável da cidade aos poucos dava lugar ao sereno; típicos sinais da noite por aqui. Conforme ia andando, notei que as ruas ficavam aos poucos, mais desertas. E foi então que, de súbito, senti uma estranha sensação. Algo tão primordial, tão intrínseco que a princípio não acreditei.
Olhe bem, não era medo, pois realizo este caminho há meses e nunca senti algo assim. Eu poderia arriscar que era uma legítima sensação de estar sendo observado. Poderia dizer até caçado.
Parei abruptamente em uma esquina e olhei para trás, a fim de detectar a origem de tudo isto. Nada. Olhei novamente para frente, decidindo ignorar por completo esta sensação.
Você não me parece muito evoluído.
Olhei novamente para trás e mais uma vez, nada. De onde viera isso? Ao menos sabe o que é?
– Quem está aí? – perguntei, já nervoso.
Desista, ele não tem a menor ideia...
Notei que eram duas pessoas – se é que poderiam ser chamadas de pessoas – mas ainda não tinha ideia do que, ou de onde eles falavam. Foi neste instante que vi o primeiro se mover. Saíra de dentro de um dos becos agora em breu total. Era impossível não notar sua rapidez ao correr em minha direção, mas por algum motivo, eu enxergava tudo.
Quando me preparei para correr, o predador foi jogado para longe. Olhei sem entender o que havia acontecido realmente e foi quando a vi pela primeira vez... No meio de toda aquela loucura e desespero, você surgiu como um ponto seguro por onde eu poderia me guiar. Era a visão mais agressivamente bela que eu já vi em toda a minha vida, e digo que até hoje não me acostumei com isso. Olhando agora, conhecer você foi certamente o início de toda essa aventura por assim dizer. Até por que, eu não estaria aqui hoje senão fosse por você.
É claro que não pensei em tudo isso na hora, até porque, enquanto o primeiro caía um segundo iniciava uma curta jornada ao meu encontro. A garota então se virou para mim com um olhar severo.
– Faça alguma coisa! – disse. Então me virei completamente para ela.
– O que quer que eu faça?Ela me pareceu um pouco frustrada, porém quando voltei minha atenção novamente ao indivíduo que se aproximava, era tarde demais.
O golpe desferido por ele acertou o lado esquerdo do meu corpo. Não senti nada no início e acredito que seja assim com a maioria dos ferimentos. Preocupei-me mais com o que aconteceu depois. A garota partiu rapidamente em sua direção e o acertou em cheio. O ser apenas caiu para trás, sem vida.
Apesar de toda aquela cena, toda aquela loucura, a princípio eu não me importei. Queria saber apenas dela.
– Quem...? Quem é você? – perguntei.
Ela voltou-se para mim, depois desviou o olhar para o outro lado da rua e disse:
– Precisamos sair daqui.
– Antes preciso saber quem é você – disse.– Conto no caminho – rebateu – Sua casa fica a dois quarteirões daqui, certo?
– Isso.
– Precisamos dar uma olhada nesse ferimento.
E começamos a rumar para minha casa. O caminho agora tornando a ficar silencioso. Deixamos tudo aquilo para trás.
– Vai me dizer quem é você e o que aconteceu ali?
– A pergunta certa é quem somos.– Como assim? – perguntei, tentando não pensar muito em me incluir nessa história.
– Aqueles dois falaram com você direto em sua mente e, se você compreendeu, está incluso nessa história.
– É sério que você lê mentes?
– Nós – me corrigiu.
– Qual é o seu nome? – perguntei.
– Juliana.
– O meu é Luís Henrique, mas acho que já sabia.
– É... Já sabia – disse, dessa vez sorrindo.
Sério, essa parte precisa de um adendo. Esse sorriso é capaz de acabar com qualquer sentimento ruim que alguém possa sentir. Inclusive, possui um efeito demasiado forte em minhas atitudes.
– Chegamos – disse, quando notei que estávamos em frente à minha casa – Só tem um problema: não sei se meus pais estão em cas –
– Não estão – respondeu.Entramos em casa e fui atingido de súbito pelo tom de normalidade que aquele lugar me passava, principalmente depois do que aconteceu. Subimos as escadas que davam para o meu quarto em silêncio. Silêncio esse quebrado apenas quando finalmente nos acomodamos lá.
– Me deixe dar uma olhada nisso – disse, apontando para o meu ferimento.
Eu havia realmente esquecido dele. Levantei um pouco a blusa a fim de ver o que me acontecera e para minha surpresa, não encontrei nada. Ela apenas sorriu, me atingindo novamente.
– Então, ainda duvida de que é um de nós?
– Quem, ou melhor, o que nós somos?– Nós não somos mais humanos, não em sua totalidade pelo menos.
Aquilo me pegou de surpresa. Enquanto o peso daquelas palavras ecoavam em minha mente, ela se levantou e começou a andar pelo meu quarto. Parou em frente à televisão.
– Não sabia que ainda tinha um Super Nintendo.
– É um clássico – respondi ao comentário, que quebrou por completo o assunto anterior.– Eu gosto de clássicos – disse, parecendo realmente gostar da conversa.
– Não sabia que anjos jogavam vídeo games – rebati.
Não consegui ver sua reação, mas acho que gostou do comentário. Não, ela com certeza gostou, pois estava sorrindo quando se virou para mim.
– Talvez eu não seja um anjo – disse.
– Então o que é? – perguntei.– Eu não sei exatamente... – respondeu, olhando para o chão.
– Não foi o que me pareceu, sabe... Uns vinte minutos atrás.
– Eu conheço só as regras mais específicas...
– O que você sabe?
– Sei que não somos poucos, mas que os verdadeiramente habilidosos são.
– Como assim “habilidosos”? – perguntei, tentando entender o sentido daquilo.
Ela se sentou em uma cadeira, de frente para mim e começou a me explicar:
– Existem três níveis de... Erm... –
– Nós – completei.– Obrigada, existem três níveis de nós. O primeiro e mais baixo é o nível gama, é o mais comum dos três. Os seres nesse nível possuem telecinese, telepatia, leitura de mentes e projeção de campo de força.
– Ok, e o que sobra para os outros níveis? – comentei rindo, mas por dentro eu estava abismado com aquelas palavras. Eles eram os mais comuns e mesmo assim, absurdamente fortes.
– O próximo nível, e neste você está incluso, é chamado de beta. Os seres nesse nível conseguem, além de tudo citado anteriormente, controlar uma força da natureza. No seu caso, a eletricidade. Vocês são raros...
Depois deste choque – e não, não foi um trocadilho – tive de me ajeitar na cama.
– Como assim? Eu sou um beta? Impossível, eu deveria saber disso.
– Suas habilidades simplesmente não se manifestaram até agora.– Isso é... Eu não sei o que dizer...
– Pode começar por me deixar falar – continuou, mas seu tom era divertido – Continuando, existem também os alfas. Na verdade, são apenas quatro; um pra cada elemento. Eu domino o ar.
Não pude deixar de olhar para aquela pessoa em minha frente. Com toda a certeza, aquele anjo era especial. Toda a delicadeza aliada a agilidade com a qual ela se movia era fascinante!
– E o que fora aquele ataque? – perguntei, depois de mais uma viagem proporcionada por ela.
– Entenda uma coisa: quando um de nós morre e somente quando isso acontece, nossa energia se desprende do corpo e é possível absorvê-la por completo.– Então é por isso...? – comecei.
– Sim, é por isso que existe essa pequena disputa entre nós para conseguir absorver o maior número possível. Até que reste apenas um...
– Ou dois... – arrisquei.
Ela apenas pigarreou e se levantou.
– Por que me salvou? – perguntei por fim.
– Tenho meus motivos – disse – Enfim, tenho que ir agora. Cuide-se.– Espere! – disse, sem pensar duas vezes. Senti de súbito que poderia nunca mais vê-la. E pensar nisso, mesmo que por uma fração de segundo, me aterrorizou até a alma – Espere... Não vá... Fique aqui, comigo...